Todos nós temos uma grande história pra contar, não é?
Trago aos amigos leitores uma grande recordação de
minha infância: uma viagem inesquecível com toda a minha família para o Rio de
Janeiro no Trem da Leopoldina.
Uma grande turma que saiu da Estação de Bicas-MG para comemorar o
aniversário de minha avó, vivenciando alegrias e travessuras numa grande aventura!
Presente
do amigo Carlos Latuff, a velha Maria Fumaça nas serras de Bicas.
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"No já distante ano de 1971, meu Avô José Mayrink, condutor
ferroviário na Estrada de Ferro Leopoldina e minha Avó Maria Mayrink, por
contingências naturais da profissão dele, resolveram mudar-se para o Estado o
Rio, mais precisamente Jardim Primavera, no Município de Duque de Caxias. Seus filhos
já casados ficaram em Bicas, Minas Gerais.
Final do mês de julho, início de inverno e das férias
escolares. Reuniram-se meu Pai, José Carlos Mayrink, também ferroviário com minha
Mãe Lydia Dousseau Duque Mayrink (três filhos), suas irmãs Teresinha Mayrink
Martins (sete filhos) e Stela Mayrink Soares (dois filhos) e seus cunhados
Sebastião Martins e Marks Soares para preparar uma grande surpresa para minha
Avó Maria Mayrink, que aniversariava naqueles dias: Ir todos - as três famílias
- festejarem juntos, o aniversário dela no lá no Rio.
Naquele tempo era sem dúvida uma grande aventura, já que eram
doze crianças sendo quatro com menos de dois anos e dois recém-nascidos. Lógico
que o fato de nosso Avô ser ferroviário – e também meu Pai – contribuiu, e
muito, para viabilizar passagens a todos, já que se vivia com muita dificuldade.
Seria no famoso Noturno, que cortava parte da Zona da Mata mineira e o Estado
do Rio durante toda a noite e madrugada, chegando ao amanhecer na cidade de
Duque de Caxias.
Tudo combinado... chegava o grande dia! A realização do sonho
de todas aquelas crianças, uma viagem de trem. E que viagem! Todos eufóricos e
com grande expectativa! Rosa Maria, Sônia e Marly, as netas mais velhas da
turma cuidavam de comandar os demais. Não precisa dizer que as três famílias
(dezoito passageiros) tomaram quase todo o vagão, com as crianças disputando as
janelas.
O apito da Maria-Fumaça avisava que estávamos de partida.
Começava a viagem. E cadê que a criançada dormia? Tudo era motivo de deslumbramento.
Céu estrelado. Noite linda! O trem ia cortando as montanhas de Minas. Vento no
rosto, apesar do frio, e a paisagem escura da noite iluminada por vaga-lumes.
Nossos pais conversavam assuntos diversos enquanto nossas mães cuidavam de
ilustrar nossas fantasias, lembrando que era época das festas juninas e que os
céus do Rio ficavam povoados de balões.
Em Três Rios, trocava-se a locomotiva. Saía a Maria-Fumaça,
entrava uma Diesel e nossa aventura continuava. Não sei precisar o motivo, mas
o fato é que no meio da madrugada o trem parou e ali ficamos por mais de uma
hora sem nenhuma estação por perto. E toma de histórias e músicas para distrair
a criançada que não queria saber de dormir. Bebês choravam, mães amamentavam. A
essa altura, os poucos passageiros que não eram da família já haviam buscado
lugar em outro vagão. E a criançada fazia festa, podíamos escolher lugar. De
repente, aquela sacudida. Era o trem reiniciando a viagem para o alívio de
nossos preocupados pais. A criançada? Ah, a turma não estava nem ali para
preocupações. Tudo era festa!
Miguel Pereira, Governador Portela e chegávamos a serra. E
toma de descer! O trem rangendo trilhos, as luzinhas das cidades ainda
distantes brilhavam como vaga-lumes lá em baixo e toda hora vinha a mesma pergunta:
tá chegando no Rio? E ia descendo, ia descendo... A molecada ali, acesa
vibrando com cada instante naquele passeio maravilhoso.
Amanhecia o dia quando chegamos a Duque de Caxias. Saltamos
todos para tomar outro trem, este de subúrbio, também puxado a máquina e com os
mesmos vagões de madeira. Já estava claro quando chegamos a Jardim Primavera.
Nem precisa dizer o quanto foi feliz o encontro com nossos avós, a festa de
aniversário e o mais bonito céu que já havíamos visto: além das estrelas, estava
repleto de pequenas luzes amarelinhas dos balões de que tanto ouvíamos falar e
cantar.
Uma viagem que marcou para sempre a vida de todos. Em especial
daquela criançada maravilhosa que realizou o grande sonho de viajar de trem. De
ver a Maria-Fumaça e ouvir um dos mais belos e românticos barulhos que uma
máquina pode produzir. Eu e todas aquelas crianças estamos hoje com idade entre
40 e 60 anos, mas o silvo maravilhoso do apito da Maria-Fumaça ainda soa em
nossos ouvidos como se tudo tivesse acontecendo agora, belo, romântico,
simplesmente maravilhoso!"
3 comentários:
Parabéns linda e maravilhosa história, andei muito nesse trem também, subindo e descendo a serra de miguel pereira. um grande abraço.
Parabéns pela inesquecível postagem dessa viagem. Viajei muito na Leopoldina entre Barão de Mauá à São João Nepomuceno, passando por Petrópolis, depois passando por Japeri. Quantas saudades desse tempo. Hoje sou ferroviário aposentado da RFFSA.
Juiz de Fora - 08 de Novembro de 2020.
Carlos Batista de Oliveira.
Abraços.
Muito interessante o relato. Não sabia que existia trem noturno que passava por Bicas
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