quinta-feira, 12 de novembro de 2020

O "BLUSÃO DE COURO" - Conheça mais uma interessante e bela história da nossa Estrada de Ferro Leopoldina.


A Estação de Guia de Pacobaíba retratada nesta belíssima tela de Wilson PS.



Recebi do grande artista Wilson PS, importante colaborador desta página, relato de uma belíssima e interessante história da Estrada de Ferro Leopoldina que trago aos amigos leitores.


Venho lhe agradecer pela postagem da matéria do Jornal O DIA, de abril de 2004 destacando os 150 anos da primeira ferrovia do Brasil, na estação de Guia de Pacobaíba.  A referida matéria também dava destaque à história do Sr. Walter Ferreira da Silva, meu saudoso pai, considerado o último telegrafista vivo que trabalhou em Guia de Pacobaíba.

Aproveitando o ensejo, gostaria de dividir com os amigos leitores da página otremexpresso uma das interessantes histórias do Sr. Walter Ferreira da Silva, muito conhecido em toda a Leopoldina como "Blusão de Couro". E não sou eu o único que afirmo, sou suspeito: "Blusão de Couro" era considerado o melhor Radiotelegrafista da Leopoldina e por isso muito respeitado. Também era famoso por proteger muitos companheiros de injustiças que aconteciam no ambiente de trabalho.

Sr. Walter Ferreira da Silva, natural de União dos Palmares, no Estado de Alagoas ingressou na Leopoldina Railway em 1947. Seu irmão Oswaldo Ferreira da Silva (Vavá) era telegrafista na Great Western, mas veio para o Rio e ingressou na LR por volta de 1944 e 1945. Além de seu irmão Oswaldo, Walter tinha mais três irmãs, sendo o caçula da turma. Estando Vavá na LR, logo Walter veio para o Rio de Janeiro, depois, duas de suas irmãs. Walter ainda antes de alistar-se no Exército ingressou na LR, teve licença e depois retornou aos quadros da ferrovia inglesa. Já havia aprendido o telégrafo, mas preferiu a vaga de porteiro e assim começou sua trajetória profissional na LR, pois soube que muitos que tentavam ingressar na Estrada como “telegrafista” acabavam sendo eliminados devido à pressão psicológica que sofriam na hora do exame. Orientado, preferiu começar como porteiro, mas logo foi promovido tendo trabalhado em várias estações do subúrbio, as de maior movimento, entre as quais Saracuruna, Caxias, Penha, Ramos, Olaria, Benfica, Guia de Pacobaíba e Petrópolis. No início dos anos 1960 foi promovido a Agente Especial de Movimento de Trens - Radiotelegrafista, designado para trabalhar no terminal Barão de Mauá, onde nos anos setenta me levava para praticar.


Mas qual a origem do pseudônimo "Blusão de Couro” que o tornara conhecido por quase toda a Leopoldina?

Muitos dos ferroviários não eram conhecidos pelos nomes, mas por apelidos, e “O Blusão”, não era exceção. Aconteceu quando trabalhava em Duque de Caxias, no início dos ano 1950, um episódio um pouco misterioso. Um indivíduo cometera suicídio, tomara veneno, seu corpo estendido próximo da estação. Era noite e algum companheiro de serviço decidiu aprontar. Escreveu um bilhete que dizia: "Adeus mundo cruel, deixo um abraço para fulano e este blusão par o Walter" e pôs na mão do defunto que vestia um blusão de coro. Coisa de ferroviário zoador, rsrsrsrs! Os apelidos pegaram, um ficou conhecido como "Abraço de defunto" e meu pai como "Blusão de Couro".

Quando "Blusão de Couro” pegava um trem para conhecer estações que nunca estivera era recepcionado e tinha que dar uma palhinha no telegrafo para os amigos. Em Japuíba era uma grande acolhida.

Quando trabalhava em Campos e algum colega chegava meio "calibrado" mandava voltar para casa e tomar um banho, depois o cabra tinha que tirar serviço num fim de semana ou feriado para o amigo que o substituíra. A filosofia do "Blusão de Couro" era “jamais prejudicar um companheiro e sim discipliná-lo” como um verdadeiro chefe e amigo. Muitos não perderam seus empregos por causa dele.

O amigo Antonio Nunes, antigo Radiotelegrafista em Campos, fez-me o seguinte relato: "Certa vez, no início da minha carreira como radiotelegrafista, estava em circuito em Cachoeiro de Itapemirim e um operador metido a bonzão se desfez de minha pessoa, por conta de três telegramas atrasados, ora eu era novato, aí o "Blusão de Couro" comprou o barulho e deu uma lição no bam-bam-bam. Ele reclamou de mim por conta de três telegramas, mas acabou se perdendo em trinta outros com o meu mestre. Blusão de Couro depois da lição disse-lhe que não era bom um amigo querer humilhar o outro, acho que o cara aprendeu a lição.”


O Sr. Walter Ferreira da Silva, o inesquecível “Blusão de Couro" aposentou-se em 1984, sem jamais perder o elo com seus companheiros Leopoldineses. Considerado o último telegrafista vivo em 2004, foi entrevistado pelo jornal O DIA e participou do documentário "A Ferrovia no Brasil, ontem, hoje, e adivinhem amanhã" do SESEF. Foi homenageado pelo Enº Luiz Antonio Cosenza e recebeu a condecoração Eng. Paulo de Frontin. O Sr Walter Ferreira, ou "Blusão de Couro" para aqueles que o conheceram e conviveram com ele nos deixou em 2009 aos 80 anos deixando muitas saudades.

Eis aí um pouco da história de meu pai.

Por Wilson Peixoto da Silva, mais conhecido como Wilson PS por suas belas obras de arte tendo como tema a Estrada de Ferro Leopoldina.



Conheça a história da Estação Guia de Pacobaíba no link abaixo:

https://otremexpresso.blogspot.com/2016/06/estacao-guia-de-pacobaiba-o-porto-da.html



segunda-feira, 12 de outubro de 2020

FERROVIÁRIOS BIQUENSES CONSTROEM E MONTAM PORTÕES PARA OS GRANDES TÚNEIS DA FERROVIA DO AÇO. Conheça mais um belo trabalho realizado nas Oficinas de Bicas.


Matéria atualizada em 18 de outubro de 2020.





Logo após a inauguração da FERROVIA DO AÇO, ainda pela RFFSA, em 1989 surgiu um sério problema envolvendo três de seus grandes túneis: o Tunel dos Cabritos; o Túnel 70 em Jeceaba e o Túnel 11 em Rodeio - Paulo de Frontin, que logo nas primeiras passagens das composições de minério tracionadas por um grupo de Locomotivas Diesel, identificou-se o grave problema do "APAGÃO" das Locomotivas no meio dos túneis.

Além destes três grandes túneis, a Ferrovia do Aço ainda tem o Tunelão, considerado o maior túnel do Brasil com 8.645 metros de extensão que, apesar de seu cumprimento, não sofria o problema do apagão das Locomotivas por ser uma grande rampa onde as composições carregadas de minério sempre trafegam por ele descendo - detalhe muito bem observado pelo amigo Felipe Sanches.

Voltando aos demais túneis, percebeu-se que seria necessária uma solução que aumentasse a ventilação no interior dos mesmos, problema que explicaremos mais abaixo.

Surgiu então o projeto vindo do Canadá para a construção de portões que seriam instalados na entrada e saída dos túneis. Um grande portão de madeira em estrutura de aço com largura e altura suficientes para fechar completamente as entradas e as saídas. Eram grandes placas de madeira que se encaixavam numa guarnição de chapas de aço.

E quem construiria e instalaria estes portões?

Os ferroviários de Bicas.

Deu-se início à fabricação das partes e peças nas oficinas de Bicas e assim que os trabalhos eram concluídos todo o material era levado para o local onde se encontravam os túneis, onde a equipe de ferroviários biquenses juntava-se a outros ferroviários, engenheiros e técnicos para a montagem do mesmos, túnel por túnel.

Logo após as fotos abaixo, o relato de Sebastião Gomes, ferroviário biquense que compôs a equipe de construtores e montadores dos portões.

 


Relato do ferroviário biquense Sebastião Gomes sobre a fabricação dos Portões para os grandes Túneis da Ferrovia do Aço.


"Tudo aconteceu antes das privatizações ferroviárias. Nossas oficinas receberam engenheiros vindos da Ferrovia do Aço – RFFSA trazendo do Canadá um projeto para a fabricação de grandes portões, que seriam usados nas entradas e saídas de três túneis de grande extensão: o Tunel dos Cabritos; o Túnel 70 em Jeceaba e o Túnel 11 em Rodeio - Paulo de Frontin. O objetivo era resolver o problema do grande acúmulo de fumaça das máquinas no interior dos túneis, provocando o “apagão” e a natural parada das mesmas.

Os engenheiros nos disseram que era a primeira vez que acontecia este tipo de problema no Brasil, já que os primeiros túneis de grande extensão foram estes construídos na Ferrovia do Aço.

Com o projeto em mãos, fizemos o primeiro portão, que foi implantado com sucesso no túnel de Bom Jardim.

Em seguida, construímos portões para os outros dois grandes túneis da Ferrovia do Aço.

O projeto previa a construção de dois grandes portões dotados de contra-peso a serem instalados na entrada e saída de cada túnel. Logo na instalação dos portões do primeiro túnel percebemos o primeiro problema surgido com o contra-peso que balançava muito e de forma perigosa, nos obrigando a desenvolver e construir uma torre-guia para estes contra-pesos, resolvendo o problema do balanço dos mesmos.

Começamos pelo Túnel dos Cabritos, depois o Túnel 70 em Jeceaba e por fim o Túnel 11 em Rodeio – Paulo de Frontin.

Trabalharam nesta empreitada eu (Sebastião Gomes) e os ferroviários Paulo Carvalho, Pedrinho Lanini, João Diniz, Zenoni e o "Cupim", compondo equipes responsáveis pela medição, pela fabricação da parte estrutural e pela parte de carpintaria.

Por um bom tempo ficamos também responsáveis pela manutenção destes portões, tendo que se deslocar até os túneis para a realização dos devidos reparos."

Sebastião lembrou o caso de Jeceaba, que possuía uma estação perto do túnel onde ficava uma Locomotiva escoteira:

"Para vencer a grande rampa dentro do túnel, o trem tinha quatro potentes locomotivas à frente da composição, que recebia o “reforço” da Locomotiva Escoteira empurrando a composição em sua cauda. Vencida a grande rampa e a transposição do túnel, a Locomotiva Escoteira era desengatada e retornava para a estação de Jeceaba. Quando o trem retornava em descida, não era necessária a adoção da escoteira.”



COMO FUNCIONA O SISTEMA:

No momento em que o trem transportando minério entra no outro extremo do túnel, o portão de saída se encontra fechado. Dessa forma, à medida que o trem avança dentro do túnel, o ar empurrado pela composição é impedido de escapar pela saída do túnel, uma vez que ela está bloqueada pelo portão. Assim, o ar ainda fresco é obrigado então a recuar e a passar pelas locomotivas, removendo os gases que saem dos motores diesel levando-os para trás, rumo à abertura de entrada do túnel. Dessa forma garante-se um fluxo de ar e fresco para a equipagem e locomotivas, garantindo-se que as mesmas funcionem naturalmente e não apresentem problemas.

Na saída do túnel um empregado fica atento, abrindo o portão assim que as locomotivas estiverem próximas da saída. A abertura do portão ocorre por meio de contra-pesos que facilitando seu acionamento.

Em caso de falhas no sistema não há maiores problemas, uma vez que o portão é construído de madeira e é relativamente frágil, podendo ser quebrado com facilidade pelas locomotivas se, por algum motivo, ele não for levantado.

Logo que toda a composição deixa o túnel, o portão continua aberto por um tempo pré-determinado permitindo a renovação da atmosfera no interior do mesmo.








terça-feira, 8 de setembro de 2020

ESTAÇÃO BARÃO DE CAMARGOS - Antigo pátio de carregamento de bauxita às margens do Rio Pomba, em Cataguases, hoje sob os cuidados da ONG Amigos do Trem.


Matéria atualizada em 27 de setembro de 2020.


Acima, registros  dos trabalhos de limpeza e recuperação do espaço realizados pela ONG Amigos do Trem, trabalhos que estavam suspensos devido à pandemia.


Abaixo, registros feitos em 1° de setembro de 2020. 


Abaixo, a pequena plataforma e o prédio/dormitório - foto de Gutierrez Lhamas Coelho, em 27 de dezembro de 2004.



Acima, registro de Barão de Camargos em plena atividade: trens e uma grande quantidade de bauxita aguardando embarque.




Através do Google Maps a localização exata do antigo complexo de Barão de Camargos, localizado bem próximo a uma cancela onde a ferrovia cruzava com a rodovia MG 285.




  Uma visão ampla do que restou do antigo complexo de Barão de Camargos.




sinimbu


 

Estação BARÃO DE CAMARGOS 


cataguazes

 

 

Município: Cataguases

Ramal: Linha do Centro - Km 355,101 (1960).

Altitude: 178m.

Estação inaugurada em: 21 de setembro de 1885.

Estive no local em: 1° de setembro de 2020.

Uso atual: A estação e o pátio de Barão de Camargos estão sob os cuidados a ONG Amigos do Trem. 

Situação Atual – Trecho sob concessão à FCA. Trafego suspenso por tempo indeterminado. O pátio devera ser usado pelo Trem Turístico Rio-Minas.

 

E. F. Leopoldina (1885-1975)

RFFSA (1975-1996)






HISTÓRICO:

Após minha visita à estação de Sinimbu, segui em direção a Cataguases para finalmente conhecer o antigo complexo de Barão de Camargos, local onde os vagões da FCA eram carregados com bauxita e seguiam até Barão de Angra, distrito de Paraíba do Sul, onde era feito o transbordo para a MRS, serviço este suspenso definitivamente em 2015, quando o minério passou a ser transportado por carretas.

Dias após minha visita, tomei conhecimento de que pátio de Barão de Camargos está sob os cuidados da ONG Amigos do Trem, que retornou com os trabalhos de limpeza, capina e revitalização do espaço e da estrutura do pátio, que estavam suspensos devido à pandemia. A ONG busca conservar a estrutura original da estação que por muitos anos foi o cenário do carregamento da bauxita.

Soube também que existe a possibilidade de que o espaço seja utilizado como futuro pátio de manobras do Trem Turístico Rio-Minas.

 

A ESTAÇÃO:

O antigo complexo de Barão de Camargos está localizado bem próximo a uma cancela onde a ferrovia cruzava com a rodovia MG 285. No dia de minha visita encontrei os portões trancados, o que me obrigou a fazer as fotos aqui apresentadas de uma longa distância, não permitindo apresentar mais detalhes do que sobrou, mas apresento também as fotos da ONG Amigos do Trem que retomou os trabalhos de limpeza e manutenção do pátio.

A primitiva Estação de Barão de Camargos foi demolida e no atual complexo existe um prédio que servia de dormitório para os maquinistas, na verdade uma pequena estação com plataforma e as colunas de uma antiga coberta, que também deverá ser recuperada pela ONG.








A cancela onde a ferrovia cruzava com a rodovia MG 285.

Em direção a Sinimbu, o portão de entrada do complexo Barão de Camargos.


Em direção a Cataguases.










quarta-feira, 5 de agosto de 2020

O GUARDA-FREIOS - Conheça um pouco mais sobre uma das mais importantes e perigosas funções nos primeiros tempos da ferrovia.


Observe esta composição passando sobre a ponte em Dom Silvério: sobre o primeiro e quarto vagões vemos sentado na extremidade dos mesmos os "Guarda-Freios".


Outro belo registro de uma composição passando por uma ponte, vendo-se os "Guarda-Freios" sobre os vagões.



No começo do século 20, uma das mais arriscadas profissões ferroviárias era o Guarda-Freios. Sua tarefa era andar sobre o trem em movimento apertando e afrouxando o freio mecânico de cada vagão da composição ferroviária. 

No início dos tempos das Locomotivas a Vapor esta era a única forma de frear os vagões, já que até ao surgimento do freio pneumático, a vácuo, as Locomotivas a Vapor não possuíam qualquer sistema que oferecesse aos maquinistas meios de acionar os freios dos vagões.

 

Belo registro de uma composição chegando a Nova Friburgo, vendo-se o "Guarda-Freios" sobre o vagão.


Arte de Edilson Klug "Guarda-freios no Viaduto Carvalho" homenageando estes profissionais ferroviários que trabalhavam a um passo dos precipícios na ferrovia Curitiba Paranaguá - Serra do Mar, correndo em cima dos vagões, para frear o trem.


Mas como o Guarda-Freios saberia o momento certo de acionar e liberar os freios dos vagões?

- Esta ação só era possível por meio do uso do apito da Locomotiva, onde o maquinista se comunicava com o guarda-freios para dar as devidas instruções.

 

E como o Guarda-Freio atuava?

- Com a introdução de vagões com passadiços entre eles, era possível que o guarda-freio pudesse se movimentar pelo comboio caminhando sobre os vagões, acionando o freio mecânico de cada um deles por meio de manivelas que se localizavam no teto, na extremidade dos vagões. Ou seja, com passadiços, os freios estavam presentes em todos os vagões, cabendo ao guarda-freios deslocar-se de um vagão para o outro acionando seus freios um a um.

Posteriormente existiram também composições que tinham um vagão especial de frenagem, com um poderoso freio mecânico colocado em sua cauda, mas o mais comum era o método rústico e extremamente arriscado dos guarda-freios correndo sobre os vagões com o trem em movimento, sendo comum a ocorrência de graves acidentes com os mesmos, muitas vezes fatais. 






Acima, uma composição passando por Petrópolis com o "Guarda-Freios" caminhando sobre os vagões.


Acima, a cauda de uma composição descendo a serra de Petrópolis em direção ao  Rio de Janeiro, vendo-se os "Guarda-Freios" atuando.



Em 16 de março de 1924 o jornal biquense “O Município” noticiava um grave acidente na Serra de Telhas vitimando dois "Guarda-Freios".