A página otremexpresso teve a honra de conversar com o Sr. Vantuil Marconato, “Sr. Guilú” - único ferroviário morando em Pequeri - que trabalhou por 30 anos na Ferrovia, tendo entrado para a E. F. Leopoldina em 1963 aos 21 anos (vinte e um anos), onde começou trabalhado na Manutenção da Linha na Equipe da Via Permanente, passando a Contra Mestre de Linha e depois a Encarregado – Assistente de Via Permanente, aposentando aos 51 anos em 1993 pela RFFSA.
Hoje com 82 anos, Sr. Vantuil nos trouxe belos e históricos relatos:
Falou-nos de seu pai, Plínio
Marconato, que também foi ferroviário trabalhando 39 anos no Ramal de Mar de
Espanha, nos tempos em que a família morava na roça, no Lima - era lá que ficava a Casa de Turma de Pequeri - onde nasceu. Mudaram-se para a área
urbana de Pequeri quando Vantuil ainda era pequeno, para que ele pudesse
estudar. Passado alguns anos mudaram-se para Santa Helena, onde ele entrou para
a E. F. Leopoldina, voltando para Pequeri após finalmente poder comprar sua casa.
Sr. Vantuil entrou para a
ferrovia trabalhando em Pequeri, onde ficou por 10 anos trabalhando no trecho
da Linha principal – Linha de Caratinga,
percorrendo a pé grandes distâncias, seja sentido à Santa Helena ou sentido
à Sossego; e no Ramal de Mar de Espanha,
que era percorrido a pé, de ponta-a-ponta, ida e volta.
Recordou seus primeiros tempos de
ferrovia, quando dois homens andavam a pé pela linha, um de um lado, outro do
outro, marcando as peças danificadas enquanto outro seguia com uma agenda
anotando tudo que precisaria ser trocado. Observavam detalhadamente trilhos,
dormentes, pregos e as chapas onde prendiam os trilhos com os pregos nos
dormentes.
Naqueles tempos, para a troca das
peças e fixação dos trilhos nos dormentes, tudo era feito à mão: “Ainda não existia a brita. Os dormentes eram
apoiados na terra mesmo! Depois é que
apareceram as máquinas e a brita.”
Percorriam todo o trecho a
pé. Iam e voltavam andando cerca de 12 km’s por dia de serviço observando
tudo detalhadamente. Não tinha trole para este serviço. Quando chegavam,
fazia o mapa no escritório e mandavam para a “Residência”. Muito
depois é que apareceram as máquinas e ferramentas!
Lembrou-se da dificuldade para
subirem de Trole a serra de Sossego para Pequeri numa turma composta de 12
homens, 13 com o Feitor: “todos tinham que
empurrar o Trole na grande subida, não dava para “tocar” na vara. Era a turma
toda empurrando para subir até chegar à Caixa d’água no Lima, aí era só descida
até Pequeri.”
Foto aérea de Pequeri em 1969 vendo-se a segunda e atual Estação em destaque, tempo em que o Sr. Vantuil ainda trabalhava na via permanente.
Disse que também existia uma Equipe de Ronda, que percorria o trecho
também à noite com as antigas lanternas – as
cambonas.
Lembrou-se da história de um
guindaste que estava atendendo um acidente ocorrido próximo à Caixa d’água de
abastecimento das Locomotivas, que existe até os dias de hoje 5km sentido à
Sossego, no ponto mais alto deste trecho, onde a linha seguia de Pequeri em
subida até a Caixa d’água para, de lá, iniciar a grande descida até Sossego.
Não soube dizer o que aconteceu exatamente, mas o guindaste disparou descendo
solto e desgovernado de volta para Pequeri, atingindo uma Máquina a Vapor que
estava estacionada na Estação, entrando com “aquele
bico” literalmente rasgando a Máquina de fora a fora. Segundo Sr. Vantuil,
a descida era tão forte que a equipe de manutenção vinha sobre o trole sem
precisar das varas: “O Trole descia
sozinho.”
As ferramentas da equipe ficavam
na garagem, encostada na Casa de Turma,
no Lima, em direção a Sossego. Disse
que hoje ela não existe mais, restando apenas a Caixa d’água.
Recordando seus tempos de
ferroviário, disse: “meu trecho de
trabalho era até o pó de pedra, pra cá do cemitério, onde tinha uma placa de quilômetro ali, a gente fazia
de Santa Helena até a placa. A turma de Pequeri fazia dali prá cá. Quando tinha
um serviço maior, uma turma ajudava a outra. A gente usava o arco de pua para
furar os dormentes. Depois que apareceram as máquinas de furar dormente.”
“Para
trocar os dormentes que eram trazidos de trem, eles eram descarregados e
empilhados na beira da linha, a gente colocava no trole e ia levando até onde ia
fazer a troca. Dormentes muito pesados, Aroeira
pura. Dormente bom era de Braúna e
de Aroeira. Houve um tempo que passaram a trazer dormentes de eucalipto
roliço, a gente tinha que acertar ele para colocar certinho na terra. Aquilo
era ruim pra caramba! Além do Ramal de Mar de Espanha, chegaram a usar dormentes
de eucalipto aqui e no trecho principal também.”
Belíssimo registro de 1935, onde vemos o Trem passando ao lado da Rua Marcelino Tostes rumo à Santa Helena chegando na Praça José Flora, local onde ficava a primeira Estação de Pequeri. Como disse Sr. Vantuil...“Ainda não existia a brita. Os dormentes eram apoiados na terra mesmo! Depois é que apareceram as máquinas e a brita.”
Lembrou-se de uma vez que aconteceu uma tromba d’água na serra de Telhas, de Bicas para Rochedo, provocando uma enxurrada tão grande que arrancou mais de 500m de linha: “Aquilo ficou pendurado, um buracão enorme debaixo da linha. Juntou-se um monte de homens, a gente cavava a terra no morro perto pra ir jogando no buraco, depois tinha que socar tudo para compactar. Era “socaria” por muito tempo porque você socava, o trem passava e aquilo arriava tudo de novo.”
Disse que antes de fecharem o
trecho de Três Rios a Ligação, a turma foi transferida diversas vezes, tendo
trabalhado em Piraúba, Furtado de Campos, São João Nepomuceno. Depois que
fecharam este trecho, ele foi transferido para Três Rios; depois para Sapucaia,
Volta Grande e depois para Além Paraíba: “Equipe
de via permanente era isso, cada dia mandavam para um lugar. Mas, para a época,
a gente ganhava um dinheirinho bom.”
Lamentou terem acabado com a
Estação de Santa Helena: “Ela não podia
ter sido destruída”.
Teve um irmão ferroviário já
falecido, Orlando Marconato, que também
morava em Pequeri e que trabalhou na manutenção da linha do Ramal de Mar de
Espanha.
Destacou que boa parte do antigo
leito ferroviário para Mar de Espanha está escondido no meio do mato. Que a
estrada rural de hoje não percorre todo o antigo leito ferroviário: “Existia um mapa da linha do Ramal. Com ele
seria possível identificar o antigo leito ferroviário.”
Lembrou-se de outros ferroviários
de Pequeri: “o Corrêa; o feitor José
Fernandes; o agente de Estação Plínio – o Plínio da Estação – que gostava de uma caçada; e o José de Andrade, chefe da Estação.”
Destacou a importância da Fábrica de Pó de Pedra naqueles tempos:
“Tem uma fábrica de pó de pedra ali na
Praça José Flora que, por um tempo, chegou a ter um desvio ali, onde ficavam
vagões estacionados para carregar de pedra.”
Este desvio era exatamente onde
existiu a primeira Estação de Pequeri.
Registro da atuação da Equipe de Manutenção de Linha em conjunto com a Equipe de Socorro em um acidente ocorrido no trecho entre Bicas e Pequeri.
Outra lembrança importante do Sr. Vantuil: “Nos últimos tempos do Ramal de
Mar de Espanha, o Trem do Ramal na verdade saía de Bicas, passava por Pequeri e
ia para Mar de Espanha. Ao chegar a Pequeri, o Trem esperava o outro vindo de
Três Rios para, em seguida, o guarda-chaves virar a chave e o Trem seguir para
Mar de Espanha.”
Lembrou-se também da garagem de
Trole que existia ao lado da casa de Turma de Santa Helena.
Que o Sr. Vantuil lembre ou
conheça, além dele, não tem mais ferroviários que trabalharam em Pequeri
morando na cidade.
Sr. Vantuil saiu de Pequeri
transferido para Três Rios na mesma função, sempre percorrendo grandes trechos
de linha. Depois de alguns anos em Três Rios foi transferido para Volta Grande.
Andava de Volta Grande, para um lado até Cataguases e, para outro, até Recreio.
Lembrou que neste período, já eram as empreiteiras que faziam o serviço de
troca e manutenção das peças que a equipe havia identificado como necessidade
de troca. Uma das coisas que o marcou neste trecho era que, de Abaíba para
Recreio, o Trem subia muito para logo depois pegar uma grande descida até
chegar a Recreio.
De Volta Grande, foi transferido para
Além Paraíba, onde finalmente aposentou: “Ficava
em Além Paraíba a semana toda! Tinha sábado que vinha, tinha sábado que não
vinha, pois não dava tempo. Às vezes descarrilhava trem e tinha que ficar por
lá mesmo.”
Em todo este tempo de trabalho
sempre fez parte da equipe que andava pela linha identificando e marcando as
peças que precisavam ser trocadas informando à equipe da Residência, que mandavam
o material para fazerem o serviço de troca e manutenção das linhas.
Enfim...
Essa é a bela e riquíssima
história do Sr. Vantuil Marconato, um grande ferroviário de Pequeri!
10 comentários:
Realmente um história narrada por um cidadão que participou diretamente da coisa mais linda que esse Brasil já teve... a grande malha ferroviária.
É uma honra ver a história do meu pai sendo contratada por ele mesmo depois de tantos anos de trabalho. Amante das linhas férreas, sempre foi muito dedicado a esse trabalho. Parabéns pai, orgulhosa.
Que emoção ver publicada a história de trabalho do meu pai, contada por ele mesmo depois de tantos anos de dedicação. Ele foi dedicado e amante do que fazia. Parabéns!!! Orgulhosa!
Uma pena ter acabado com essa malha ferroviária, PARABÉNS AO MEU SOGRO. MARCO BOARETO
Sou filha de ferroviário, morei em Pequeri por 25 anos. Cidade maravilhosa, essa estação está no eu coração! Meu avô, meu tio e meu pai trabalharam aí. Meu pai hoje com 82 anos, o único ferroviário vivo que mora em Pequeri. Parabéns pela matéria!
Renata Marconato
Nunca fui nessa cidade! Passei em Mar de Espanha. Acompanho seu trabalho e é sensacional!
Frederick C. Matos
Frederick C. Matos, obrigado pelas palavras de apreço ao trabalho que realizo. Vale a pena visitar Pequeri. A Estação continua belíssima!
Fotos ótimas, que nos tráz saudades e muita revolta por tudo que fizeram com este patrimônio histórico.
Nyldo Coutinho
Top demais!!!
Renato Mauro De Oliveira Ferraz
Uma história viva! Emocionante a narrativa e mais bonito é o fato de lembrar de tudo isso!
Marco Antônio Francisco
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