A estação e o trem
em Mar de Espanha, na arte de Nandu Rangel.
Ô trem bão, sô...
Manoel Franco
Bléim… bléim...bléim…
Piuiiiiiiiiiiií…. Puiuiiiiiiiiiiiií…. Shsssss… chac…. choc… chac…
choc…
Partia o trem, com destino a Pequeri. Era a hora de
devolver o telégrafo ao seu Donatilio, pois era preciso avisar a Pequeri da
partida do trem.
Alguns lenços agitavam um adeus ao sabor do vento,
e algumas lágrimas furtivas escondiam-se como se fosse por causa da fuligem e
não de uma saudade antecipada.
Os moleques corriam atrás da composição – agora, já
com poucos vagões-, esperando uma distração do seu Pedro ou de Raimundo, para
pular na escadinha do último vagão e pegar uma carona até a curva, pouco antes
da Garganta. Ali, o trem seguia mais devagar por causa da subida, o que
permitia a eles saltar com segurança e fugir antes que o condutor os pegasse.
Dali pra frente, o trem acelerava a marcha, com o
foguista alimentando com vontade a caldeira enquanto olhava com atenção os
marcadores de pressão do vapor.
Piuiiiiií … u-uúuuu… café com pão… café com pão...
café com pão… bolacha não…
O trem seguia soltando fumaças e fagulhas no ar,
enquanto os passageiros ficavam mais atentos para não queimar o terno de linho,
ou evitar que as mulheres tivessem o vestido danificado.
O cobrador vinha com sua maquininha de picotar as
passagens com seu clec - clec enfadonho. E o trem seguia, agora, atravessando
com forte ruído e vibração a ponte de ferro. Depois, viriam as estações de
Estevão Pinto e Uricana, antes da baldeação em Pequeri. Uma viagem de cerca de
25 km, em pouco mais de 1 hora.
Sob o olhar atento de seu Donatilio, eu voltava ao
meu aprendizado no telégrafo - isolado com uma folha de papel, para não
transmitir a mensagem: dadada/… da/didadi/di/dada/...
didadadi/dida/didadi/da/didi/didida/ …
Já com meus 11 anos de idade, meu pai entendeu que
eu deveria aprender uma profissão, por isso me confiara ao seu amigo Donatilio,
para o aprendizado de telegrafia na estação, depois das aulas no grupo escolar.
Pela janela da estação, eu observava as chegadas e
saídas do trem. Ouvia os ruídos e os movimentos dos passageiros e o
carregamento dos fardos de compras do comércio. Mais a frente, ouvia o
abastecimento das caldeiras na caixa d'água e a celebrada reversão do trem, no
viradouro. Esse era um acontecimento que agitava a garotada, e eu não poderia
perder. A hora de virar o trem era de grande algazarra. Apesar do controle dos
adultos, a molecada participava na marra da operação: a locomotiva entrava no
Viradouro e todos a empurravam, da esquerda para a direita, até atingir a linha
da variante. Dali, o maquinista faria a manobra até reatar a locomotiva à
composição.
Quando o trem chegava à estação, havia sempre um
mundão de gente a esperar. Por ali, chegavam as boas e as más notícias trazidas
na mala do correio postal ou nos fardos de jornais. Chegavam as mercadorias das
lojas: vestidos, sedas, tafetás, linho e brim. Chegavam as mercadorias dos
armazéns e as esperanças de tantos que as aguardavam. Chegavam o pai, a mãe, os
irmãos, o tio e também aquele amor que voltava depois de uma longa ausência.
Horas antes do horário da chegada ou saída do trem,
já se ouviam os ruídos de plein-plein dos latões de leite vazios que retornavam
da cooperativa ou o cacarejar das galinhas e o grunhir dos porcos em seus
gaiolões. Em certos dias, de envio do mármore, era possível ouvir o coro
ritmado de ô... ô... ô... dos operários, empurrando os blocos de mármore para
os vagões plataforma, com suas alavancas.
Nos sábados, dominava o burburinho de vozes nos
guichês de passagens e o entra e sai de passageiros, enquanto no fundo,
ouvia-se a voz de Tamaduro:
–Maleiro… maleiro… eu levo a mala patrão… é minha
Quati, sai fora….
E eu respondia pelo telégrafo: - Ô trem bão, sô:
dadadadi/... da/didadi/di/dada/...
dadididi/didadida/dadada/… dadadididada/... dididi/dadadadi/...
A estação e o trem
em Mar de Espanha, na arte de Nandu Rangel.
Nenhum comentário:
Postar um comentário